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Aborto: legalizar não é incentivar!

Abortar é uma questão não só de direitos humanos, mas de criação de políticas públicas de saúde

 O aborto é um tema polêmico que vem sido discutido nos últimos anos, principalmente a partir de bandeiras políticas eleitorais, mas sempre no pilar da criminalização, deixando de lado a questão dos direitos humanos e as próprias escolhas da mulher sobre seu corpo.
As tradicionais leis, e principalmente os valores morais, trazem em grande parte das discussões a voz e a ideia do aborto quase sempre a partir da visão unilateral e criminalizadora deste, sem que haja um entendimento balanceado de todo o contexto que envolve essa prática e os agentes envolvidos nela.
Estima-se que mais de 1 milhão de abortos são praticados por ano no país, em situação de clandestinidade e de forma insegura, pondo em risco a saúde reprodutiva e a vida das mulheres. Os dados do Ministério da Saúde indicam que em decorrência do aborto inseguro pelo menos 300 mulheres morrem anualmente no Brasil.
O fato da sociedade considerar como crime o aborto, desenvolve a criação, manutenção e reprodução de um duplo status na sociedade brasileira, ou seja, as mulheres que dispõem de melhores condições financeiras, e podem pagar um aborto numa clínica de qualidade, não correm o risco de possíveis sequelas ou morte. Já a realidade das mulheres pobres, que correspondem à grande maioria, é totalmente diferente. Por possuir poucos recursos financeiros, elas acabam arriscando suas próprias vidas com remédios abortivos, como o Cytotec e outros métodos que podem causar sequelas tanto físicas como psicológicas.

A ilha
Em Parintins, o cenário não foge dessa realidade, pois chega a ser alarmante a proporção dos números de casos de abortos na cidade. Mas, não diferente de muitos outros lugares do mundo, a Ilha também possui seus valores cristãos. O municipio chega a ser uma sociedade dominada pelos poderes da Igreja Católica, que defende a bandeira da vida, mas condena o uso dos métodos contraceptivos, quase um tabu vivenciado na sociedade parintinense.
A pesquisa do Ministério da Saúde demonstra que os abortos realizados são em maioria feitos por razões que se repetem entre as entrevistadas, como não possuírem condições socioeconômicas estáveis, não pretenderem ser mães ou pressão psicológica resultado do abandono do parceiro ou até mesmo um acordo com esse, rejeição da família, demissão do trabalho e uma infinidade de fatores que as levam a tomar essa decisão.
As informações mais detalhadas sobre o assunto na Delegacia de Polícia, hospitais e Secretaria de Serviço Social do município são extremamente insuficientes. Em todas as fontes pesquisadas nada consta como ocorrência, pois parece haver um descaso com a situação corrente.
Já nas farmácias pesquisadas, apesar da maioria não vender remédios abortivos como o Cytotec, ainda é possível encontrar estabelecimentos que comercializam sem prescrição médica, pois esse necessita de uma receita especial dada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a qual nenhuma farmácia de Paritintins possui. O Cytotec é indicado para o tratamento de úlceras gástricas e duodenais. A venda deste medicamento no Brasil é considerado crime hediondo. Pois, apesar da usuária não deixar de correr riscos, é o remédio mais indicado entre todos os outros medicametos.  

Dever do Estado
Ivone Gebara, freira, teóloga, escritora e feminista, apesar de todo seu conhecimento cristão, tem uma visão diferente das leis que a sociedade impõe para suas cidadãs. Afirma que é a favor da descriminalização e legalização do aborto como uma forma de diminuição da violência contra a vida, mas é consciente das limitações decorrentes do estágio atual da quase falência das instituições públicas do Brasil.
Gebara defende que é dever do Estado chegar a um consenso em vista de uma ordem justa para garantir uma ordem e legislar constantemente para que a vida de suas cidadãs e cidadãos seja respeitada. No artigo 6º da constituição há uma defesa desse tipo: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdencia social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados na forma desta Constituição”. A legalização significa a possibilidade de humanizar e dar condições de decência a uma prática que já está sendo feita, para que enfim ponha limites a uma situação provocada pela prática do aborto clandestino.
Independente da legalização ou não do aborto, dos princípios de defesa da vida, dos princípios que regem as religiões, o aborto tem sido praticado. É portanto um fato clandestino, público e notório.
"Nessa perspectiva, para mim como cristã, defender a descriminação do aborto não significa ‘negar os tradicionais ensinamentos do Evangelho de Jesus e da Igreja’, mas sim acolhê-los diante do paradoxo de nossa história humana, como uma forma atual de diminuição da violência contra a vida", relata Gebara.
"Minha postura diante da descriminação e legalização do aborto como cidadã, cristã e membro de uma comunidade religiosa é uma forma de denunciar o mal, a violência institucionalizada, os abusos, a hipocrisia que nos envolvem, é uma aposta pela VIDA, é pois uma DEFESA DA VIDA", afirma a freira.

Direito da Mulher
Milena Barroso, professora de Serviço Social da UFAM/Parintins também segue a mesma linha de raciocínio de Ivone Gebara, e deixa claro que o aborto além de ser uma questão de direito é uma questão de saúde pública, e que essas mulheres que morrem são vítimas de aborto em condições sub humanas.
O aborto é legal em duas condições: quando há estupro ou quando a mãe corre risco de vida. Mas, mesmo prescrito pela legislação, em Parintins não se tem isso garantido, o que ocorre em virtude da falta de divulgação para que a população tome conhecimento de seus direitos.
Barroso afirma que há grande necessidade de se implantar, o mais urgente possível, o planejamento familiar, que é o acesso a diversidade de métodos anticoncepcionais, às informações e esclarecimentos, sendo por vez uma responsabilidade municipal, mas que não garante que a população tenha acesso a uma política pública eficaz de saúde.
A professora concorda que legalizar o aborto irá provocar um grande declínio da prática, pois com o Estado sendo obrigado a implantar uma política pública de planejamento familiar será possível um maior controle da realização clandestina. “Não é apenas legalizar o aborto, mas sim articulá-lo como política pública de saúde às mulheres”, afirma a feminista.
A questão não é ser a favor do aborto, mas ser contra sua criminalização. Por pressões da Conferência Nacional dos Bisbos do Brasil (CNBB), o ministro Paulo Vannuchi precisou excluir o direito ao aborto do recente Plano Nacional de Direitos Humanos. Talvez, essa situação não seja um modo de condenação ao sexo: só à recente liberdade sexual das mulheres. Eis a face cruel da criminalização do aborto: trata-se de fazer, do filho, o castigo da mãe pecadora. Cai a máscara que escondia a repulsa ao sexo.

Hanne Assimen Caldas

 
12 razões para legalizar o aborto:

1.                  São muitos os motivos que levam uma mulher a abortar: seja qual for o motivo, não cabe à sociedade, a Igreja, a mídia ou qualquer outra instituição julgá-la e muito menos condená-la.
2.                  A criminalização não impede as mulheres de abortar: quando uma mulher se vê diante de uma gravidez que ela não deseja ou que, por algum motivo, não pode manter, ela aborta de qualquer jeito, mesmo correndo risco de morte.
3.                  A criminalização mantém uma situação de privilégio: as mulheres ricas tem como pagar uma boa clínica para fazer um aborto rápido e seguro. Já as demais (geralmente pobres, negras e jovens) têm que se submeter a procedimentos inseguros que colocam suas vidas em risco.
4.                  O aborto é hoje uma questão de saúde pública: no Brasil, o aborto é a quarta causa de morte materna e o responsável por inúmeros casos de esterilização e outras complicações.
5.                  Nenhum método anticoncepcional é 100% seguro: todos os métodos hoje disponíveis podem falhar, levando mulheres a uma gravidez inesperada.
6.                  A criminalização expressa uma cultura machista: nenhuma mulher engravida sozinha, mas os homens não são responsabilizados pela gravidez nem por evitá-la.
7.                  Não há definição certa de quando começa a ‘vida’: inúmeras teorias tentam explicar quando começa a vida humana, mas nenhuma delas é consenso ou está plenamente comprovada.
8.                  A ilegalidade condena as mulheres a morte e a maltratos: tanto as mulheres que abortam espontaneamente como as que provocam o aborto, quando chegam a um serviço público de saúde são maltratadas, humilhadas, massacradas e até presas injustamente.
9.                  A maternidade é um direito e não uma obrigação: obrigar uma mulher a levar adiante uma gravidez que ela não deseja é tornar a maternidade algo vil, menor, desprovido de amor e carinho.
10.               Legalizar o aborto não obriga nenhuma mulher a praticá-lo: apenas garante o direito das mulheres de fazê-lo, além de exigir a garantia de uma política de planejamento reprodutivo (familiar) eficaz.
11.               O estado brasileiro é laico: o Estado laico significa a separação entre poder político e as instituições religiosas, e a não admissão de interferência direta de um determinado poder religioso nas questões do Estado.
12.              A legalização garante a autonomia das mulheres: respeitando sua capacidade de pensar, decidir e agir de acordo com seus próprios valores e concepções e considera que elas podem fazer isto de forma responsável e ética.
Importante: legalizar o aborto não significa liberalizar, mas sim permitir e regulamentar o aborto por lei, determinando quando, como e em que circunstâncias o aborto pode ser feito.

Fórum Cearense de Mulheres
Articulação de Mulheres Brasileiras
Jornadas pelo Direito ao Aborto Legal e Seguro