Discutir
semântica no jornalismo? Essa é uma das primeiras questões (mesmo que
indiretamente) que salta na cabeça de jornalistas, políticos, religiosos e
pessoas em geral quando criticados pelo uso do termo invasão ao invés de
ocupação.
A
discussão sobre os sentidos que estas palavras revelam são realmente muito
apropriadas. Porém, muito mais que isso, é necessário também discutir os
valores ideológicos que permeiam esses dois termos usados principalmente em
períodos como o que viveu Parintins no início de setembro de 2011, quando
alguns terrenos do bairro Itaúna foram ocupados (invadidos).
É
no sentido de estimular questionamentos sobre a temática que este texto
apresenta uma análise do uso do termo invasão
no folhetim Plantão Popular (Edição do dia 16 de setembro de 2011), mas que
também se aplica a outros veículos do município de Parintins.
Abordagem do Plantão
Na
edição são usados 6 (seis) vezes o termo invasão e outras palavras da mesma
raiz como invadir/invasores/invadidas e
usou-se apenas uma vez a palavra desocupação que é o oposto de ocupação. Além
de empregar o termo invasão de modo a criminalizar o movimento social, as
matérias também enfatizam tal ideia ao enunciar que os manifestantes estão
cometendo crimes ambientais.
Outro
entrave na edição é a apuração da notícia. As informações são verificadas por
meio de fontes oficiosas: o Ministério Público, a Secretaria Municipal de
Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente (SEDEMA) e a Policia Militar e um
morador que se sente prejudicado. Percebe-se que o folhetim não apresenta a
fala de manifestantes e líderes do movimento.
As
fotos expõem apenas as queimadas no terreno, o morador que reclamou da ocupação
e as fontes oficiais no meio da multidão. Em nenhum momento mostram a precariedade
vivida pelos manifestantes, por exemplo.
Em
resumo, a edição induz a seguinte sequência de pensamento: baderneiros invadem
a terra >> cometem crime ambiental>> são injustos por não pagarem
pelas terras>> fazem parte de uma “indústria de invasores” (termo usado
na notícia), ou seja, vão invadir mais terras>> merecem ser expulsos e
presos.
Reflexão
Algumas
visões sobre os movimentos sociais são compartilhadas massivamente. No senso comum haverá, e muito, o discurso de que
a tentativa de apropriação do espaço é um ato desonesto, pois é difundido que todo
manifestante não trabalhou para conseguir determinado espaço. Os próprios
manifestantes vêem o ato desta forma, pois como dito, já é senso comum. Porém o
jornalismo não existe para repetir o que foi dito, mas para além de informar
deve cumprir também a função crítica na sociedade para qual existe.
É
necessário revisitar o dicionário Houaiss para verificar que invasão tem o
significado de invadir terreno ocupado ilegalmente, ou seja, o significado
mostra a ilegalidade do ato. Já ocupação é o modo de aquisição de propriedade
sem dono, ou abandonada, ou seja, diminui o sentido ilegal do termo anterior. É
com esta visão que Cortina e Marchezan afirmam que “toda invasão pressupõe uma
ocupação, mas a recíproca não é verdadeira. Entre elas, há uma acentuação de
força, ou de ilegalidade – a invasão evoca ilegalidade” (2004, p. 42).
Cortina
e Marchezan continuam a reflexão orientados pela relação entre produtividade da
terra, duração e ocupação, ou seja, uma ocupação prevê um tempo de permanência
definitiva em uma terra e uma invasão é só provisória, por isso que quem lucra
com valores fundiários luta para que sempre haja uma duração mínima nas
tentativas de ocupação.
É
nesse sentido que é indispensável compreender o nascimento das lutas sociais,
em especial os conflitos por terra, entender que por trás do senso comum de
dizer que tudo vai ser resolvido com uma canetada há o direito da habitação e
do trabalho também previstos na Constituição.
Enfim,
usar o termo ocupação no lugar de invasão não é só uma questão de estética no
jornalismo. É de reflexão.
Sue
Anne Cursino – bacharel em Comunicação Social /Jornalismo pela UFAM
HOUAISS, Minidicionário da Língua Portuguesa/ organizado pelo Instituto
Antônio Houaiss de Lexografia e Banco de Dados da Língua Portuguesa S/C Ltda.-
2.ed.rev e aum.- Rio de Janeiro: Objetiva, 2004.
MARCHEZAN; CORTINA, Razões e
sensibilidades: a semiótica em foco. Araraquara : Laboratório
Editorial/FCL/UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica Editora, 2004.
Você já refletiu se está "ocupação" não é, vias de fato, uma "invasão"? Antes de escrever tal crítica, verificou o perfil das pessoas que tiveram danos com a invasão de seus terrenos? Importante, nesta crítica, entre outras reflexões, estas apontadas. Caso contrário, sua crítica menospreza o folhetim e a vc mesma, sendo apenas uma crítica pela crítica e não om bases reflexivas.
ResponderExcluirCaro anônimo. Ninguém com instrução mediana, como a nossa por exemplo, ou que não tem necessidades gritantes se poria à tal ação, pois não valeria a pena pelo esforço. As pessoas que se prestam à tal ato, mesmo que usadas e manipuladas por maiores, comumente encaram esse tipo de ocupação por realmente não terem outra opção, entre ficar esperando e fazer algo, é o melhor para eles.
ResponderExcluirNão em parte do texto da Sue Anne a falta dessa reflexão, até porque não seu objetivo primordial.
Mas, de qualquer forma essa realidade esta posta, não podemos culpar pessoas que são manipuladas por seus sentimentos de conseguir terra, comida ou teto. Reconheçaomos sim, há gente da politicagem por trás, esse são criminosos, mas o povo só quer comer e morar.